domingo, 16 de outubro de 2011

Como era lá fora


Como segurando o crepúsculo
O fogo de chão
Esquenta a chaleira negra
E o amargo do chimarrão reveza a goela com a cachaça
Pelego de ovelha sobre a tábua de araucária polida
A porteira aberta
O carroção e a junta de boi
Andando lentamente
Como se retrocedesse o tempo
Passado e presente misturado
Cavalgando os buracos circulares com cacos de cerâmica
Que hoje abrigam as taperas e a alma de Teiniaguá
O carro avançando o tempo para o futuro
A mesma poeira
A estrada de chão
O açude
O campo pampiano
Os lambaris em pulos
Manchando a paisagem de cor prata
A goleira de pau roliço e a trepadeira magenta
Enquadrando o horizonte que lanha
O verde do azul
As caturritas rompendo o silêncio
As margens do arroio ribeiro
Os butiazeiros carregados de frutos
Coquinhos no chão
Corroídos pelas formigas cortadeiras
Nos capões,
Nos entreveros dos maricás
O eco do pajador
No banhado o esteio com água pela cintura
Abriga os pés da coruja baguala
Como sangue de mesma geometria
A arquitetura do João barreiro
Sobre os postes de energia latente
Cachopa de marimbondo
Mel de abelha
Eucalipto
Tudo é ocupado por bicho guasca
O sol queimando o torrão
O chão do graxaim
Revirado pelo arado
Sanga vertendo
Sanguessuga
Monocultura
Aeromotores e veneno
Riscam a beleza miúda
Da terra do índio minuano ...

Poema: Rodrigo Vargas Souza
Desenho: Glauco Rodrigues

3 comentários:

  1. Um poema gauchesco que remete a minha infância, nas fazendas de lavouras de arroz no interior do município de Barra do Ribeiro, interior do Rio Grande do Sul. O pampa imenso, ao mesmo tempo desolador e encantador, um espaço de tanta ambiguidade histórica, natural e espacial pode deixar uma feriada aberta na retina e na memória do Ser que o habita (ou a habitou). Não esqueço o pôr do sol em horizonte aberto, a beleza miúda das pequenas vegetações, das ervas espontâneas que resistem a monocultura destruidora. Os animais singulares daquele bioma, que fizeram e fazem parte da minha infância e da minha mitologia lúdica.
    Para completar a figura do gaúcho, não aquele gaúcho histórico, mistura de índio, negro, espanhol e português, em farrapos sobre o lombo do cavalo, vagando perdido na imensidão da campanha. Também não esse gaúcho pastiche derivado de um idealismo fascista. Mas sim, os gaúchos descendentes do primeiro, trabalhadores que foram moídos pelas lavouras de arroz, pelo veneno da indústria química (Se vc pensa que isto é necessário, é sim, para este padrão violento), mas com o mesmo olhar profundo, triste e as vezes satisfeito pela contemplação do infinito... Este poema é para todos os personagens: animais, vegetações e trabalhadores que junto com o infinito da paisagem tranformaram minha infância em um mundo fantástico.
    A imagem é do Glauco Rodrigues, um dos fundadores do Clube da Gravura de Porto Alegre e também do Clube da Gravura de Bagé, em 1950, juntamente com Carlos Scliar, Glênio Bianchetti, Danúbio Gonçalves e Vasco Prado.

    Rodrigo Vargas Souza
    24/04/2012

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  2. DICIONÁRIO:

    Teiniaguá: Ícone da cultura gaúcha, a Teiniaguá, é uma Princesa Moura, transformada em lagartixa pelo Diabo Vermelho dos índios, Anhangá-Pitã. Séculos atrás, quando caiu o último reduto árabe na Espanha, veio fugida e transfigurada em uma velha; para que não fosse reconhecida e aprisionada.
    Corpo de lagartixa (ou salamandra), encontra-se no lugar de sua cabeça uma pedra preciosa cintilante, cor de rubi, que fascina os homens e os atrai, destinada a viver em uma lagoa no Cerro do Jarau.


    Carroção: Carro grande de bois para o transporte de pessoas.

    Lambaris: É a designação vulgar de várias espécies de peixes, bem comum nos rios, lagoas, córregos e represas do RS e Brasil.

    Caturrita: Conhecida como catorra ou cocota, é uma ave da da família Psittacidae. A caturrita é nativa das regiões subtropical e temperada da América do Sul. São encontradas nos pampas à leste dos Andes na Bolívia, Paraguai, Uruguai e sul do Brasil até a região da Patagônia na Argentina. A caturrita também é conhecida no Brasil por catorra, cocota, periquito barroso, papo branco e outros nomes, dependendo da região.

    Trepadeira: Planta que cresce apoiando-se sobre outra ou sobre qualquer superfície.

    Butiazeiro: Espécie nativa do Rio Grande do Sul (ou não), integra a lista de espécies ameaçadas de extinção, conforme o Decreto Estadual 42.099/2003. A maior concentração da palmeira, que cobria toda a área limítrofe à Lagoa Mirim, era no município de Santa Vitória do Palmar. Hoje, a concentração da frutífera é bastante escassa, devido ao avanço de atividades agrícolas, como o arroz irrigado, e da pecuária. Da um fruto chamado butia, comestivel e também utilizado em uma garrafa para curtir a cachaça.


    Maricá: Também chamado espinho-de-maricá, espinheira, espinho-de-cerca e espinho-roxo, é um arbusto de caule tortuoso da família das leguminosas. É comum em solos úmidos e brejosos. Tem altura entre 6 e 10 metros. É encontrada no Brasil em vários estados; por exemplo, no Rio Grande do Sul. Possui propriedade melíferas. Suas flores são brancas e disposta em capítulos.

    Pajador: (ou Payador em castelhano, quer dizer repentista) é o artista da pajada, um repentista que canta seus versos de improviso. Pajada é uma forma de poesia improvisada vigente na Argentina, no Uruguai, no sul do Brasil e no Chile (onde chama-se Paya). É uma forma de repente em estrofes de 10 versos, de redondilha maior e rima ABBAACCDDC, com o acompanhamento de violão.

    Esteio: É uma peça normamente de madeira roliça que serva para segurar o arame da cerca.

    Baguala: Adj. Feminino de bagual. Bonito, vistoso, muito grande. // Equino selvagem, isto é, ainda não domado. Cavalo novo e arisco. Potro domado recentemente. Cavalo manso que se tornou selvagem. Reprodutor, pastor, animal não castrado. // Aplica-se também a pessoas, tanto no sentido pejorativo como elevado. Bagual, 1. Cavalo arisco, selvagem. 2. Fig. Pessoa grosseira, pouco sociável, rude. No meu significado tudo que habita a campanha do RS .

    Rodrigo Vargas Souza
    24/04/2012

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  3. DICIONÁRIO:

    João barreiro: O joão-de-barro ou forneiro (Furnarius rufus) é uma ave Passeriforme da família Furnariidae. É conhecido por seu característico ninho de barro em forma de forno (característica compartilhada com muitas espécies dessa família). É a ave símbolo da Argentina e Rio Grande Do Sul.

    Guasca: Tira, corda de couro cru, isto é, não curtido; Homem rústico, forte, guapo, valente. Significado adotado para animais que habitam o pampa.

    Graxaim: Guaraxaim, sorro, zorro. Pequeno animal semelhante ao cão, que gosta de roer cordas, principalmente de couro cru e engraxadas ou ensebadas, e de comer aves domésticas. Sai geralmente à noite. É muito comum em toda a campanha. Gringo.

    Sanga: Pequeno curso d'água menor que um regato ou arroio.

    Sanguessuga: É um anelídeo da classe ou infraclasse Hirudinea (antigamente chamados Aquetas, ou seja, sem cerdas, contrariamente às outras classes ou infraclasses do seu filo) que se alimenta de sangue de outros animais (hematófago). São animais hermafroditas, não possuem cerdas e possuem ventosas para sua fixação. A palavra Hirudinea vem do latim hirudo « sanguessuga ». As sanguessugas produzem uma substância anticoagulante denominada hirudina. Existem mais de 500 espécies. No estado do Rio Grande do Sul estes animais são popularmente chamados de chamichungas.

    Índio Minuano: Os Minuanos foram um grupo indígena que habitava os campos no sul do estado brasileiro do Rio Grande do Sul. Emprestam o nome ao vento forte vindo do sudoeste, frio e cortante, que sopra no Rio Grande do Sul, depois das chuvas de inverno.
    Eram índios de origem patagônica, como os Charruas e os Guenoas, com os quais nunca sobrepunham-se no mesmo território. Em 1730, aliaram-se aos charruas, havendo referências a ambas as denominações para o mesmo grupo. Nas guerras contra os espanhóis, aliaram-se aos portugueses.
    Existem toldos minuanos na região de Arroio Grande.

    Rodrigo Vargas Souza
    24/04/2012

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